Diocese de Lages

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Semana Santa e Tríduo Pascal: Redescobrir Jesus no essencial

Estamos vivendo a Semana Santa e o Tríduo Pascal, tempo marcante da nossa fé. A Semana Santa e o Tríduo Pascal são momentos fundamentais dentro da liturgia e da espiritualidade cristã que culminam na festa da Páscoa da Ressurreição do Senhor. Nesta semana recordamos e celebramos o ápice do Mistério Pascal de Cristo, sua paixão, morte e ressurreição, acontecimentos plenos de conteúdo profético e salvífico. Através da entrega de sua vida, Jesus santificou este tempo, e, quanto a nós, devemos santificá-lo com nosso compromisso de Cristão, doando nossa vida.

Iniciamos este caminho no Domingo de Ramos celebrando a entrada de Jesus em Jerusalém aclamado Rei (Profeta da Galiléia, isto é, dos pobres), pela multidão que o acolheu com alegria estendendo seus mantos, agitando ramos nas mãos e gritando: “Hosana ao filho de Davi! Bendito aquele que vem, em nome do Senhor! Hosana no mais alto dos céus!” (Mt 21,9). A entrada em Jerusalém é um gesto profético de doação total de Jesus ao projeto de Deus. Aclamado como “Rei”, Jesus irá mostrar a todos que seu reinado não se caracteriza pelo poder temporal que muitas vezes oprime e escraviza, mas se caracteriza pelo “poder-serviço” na perspectiva da promoção da vida plena para todos.

Desde a segunda-feira até a Quinta-feira Santa, quando iniciamos o Tríduo Pascal, acompanhamos, através da Palavra de Deus, alguns dos últimos momentos da vida terrena de Jesus. Estas narrativas nos revelam sua inteira consciência e disposição de levaraté o extremo a missão recebida do Pai e, ao mesmo tempo, percebemos a ação daqueles que, contrários a essa missão, põe em prática o projeto da traição e da morte de Jesus.

Também nós somos desafiados a refletirmos sobre estes momentos importantes da vida de Jesus, no sentido de tomarmos consciência da nossa opção pessoal e comunitária em assumirmos ou não a missão confiada a Jesus. Não existe meio termo, ou seja, ou escolhemos seguir Jesus e seu projeto de Vida ou acabamos por abraçar o projeto do anti-Reino que leva ao caminho da morte.

Da mesma forma que na Semana Santa, o Tríduo Pascal nos conduz, de uma forma muito mais abrangente, a vivenciar juntos com Jesus seu caminho de entrega e sacrifício total por amor a toda humanidade. Iniciando na celebração da Quinta-feira Santa, continuando na celebração da Sexta-feira da Paixão e concluindo na celebração da Vigília Pascal e Domingo da Ressurreição, a PÁSCOA. Celebramos em três momentos uma única e grande celebração do Mistério Pascal de Cristo em comunhão com todo Povo de Deus, irmanados na esperança da Vida que brota da cruz e da ressurreição.

Não poderia haver um Tempo Litúrgico mais propício para este momento que estamos vivendo! A Semana Santa e o Tríduo Pascal nos levam a refletir a expressão do amor de Deus, manifestada na entrega total de Jesus por nós. Como nos diz São Paulo “Deus demonstra seu amor para conosco porque Cristo morreu por nós quando ainda éramos pecadores” (Rm 5,8). 

Neste tempo em que somos chamados a vivermos o isolamento social, tão necessário para a preservação da nossa saúde, fazemos a verdadeira experiência do Cristo que sozinho suportou o sofrimento de todos, para a salvação de todos. Quando recordamos que tudo foi realizado por amor, aprendemos que mesmo a distância um gesto de amor autêntico pode alcançar a todos em todos os lugares geográficos e existenciais.

O Papa Francisco cancelou todas as celebrações litúrgicas presenciais na Semana Santa e Tríduo Pascal para evitar aglomerações e não expor as pessoas a um possível contágio pelo novo coronavírus. Através das conversas virtuais, mensagens e algumas conversas pessoais no âmbito familiar, percebemos o quanto está sendo difícil para os cristãos e cristãs viverem esta realidade em suas comunidades e famílias. Acompanhamos o esforço dos Ministros Ordenados e lideranças das comunidades para alimentar e incentivar, mesmo que virtualmente, a vida de fé das pessoas e comunidades. Não há como negar que são tempos difíceis onde não se pode perder a esperança e a confiança em Deus através da fé, da oração e da solidariedade com os irmãos e irmãs mais excluídos.

Não podemos esquecer que em meio a um cenário um tanto desolador surge a esperança que teima em resistir a todas as adversidades. Essa é a grande lição quaresmal: a morte não tem a última palavra! A ressurreição de Jesus deve ser nossa própria ressurreição diária, superando tudo aquilo que muitas vezes nos prende no “sepulcro” da falta de fé e de amor.

Ao contrário do que muitos pensam, nós não deixaremos de participar ativamente dessa Semana Santa. Deixaremos sim de participar das celebrações litúrgicas presenciais em nossa igreja (templo) mas continuaremos a ser Igreja carregando com Jesus os sofrimentos e a cruz de um mundo que se encontra doente não só pelo novo coronavírus mas por toda exploração, guerra, violência, injustiça, corrupção e tantos outros males que tiram a vida de nossos irmãos e irmãs.

Como no Domingo de Ramos,Jesus está presente nas multidões que imploram vida digna, acesso a saúde, educação, moradia, saneamento básico, etc. Assim comona Quinta-feira Santa, Jesus nos convida a vivermos uma espiritualidade eucarística, vivendo a partilha do pão e da vida, de forma especial onde falta o pão material e onde a vida está mais ameaçada. Convida-nos a vivermos a dinâmica do Lava-pés a serviço daqueles que se encontram feridos, abandonados nas ruas e angustiados diante de uma realidade doente em todos os sentidos, angústia essa, que também Jesus experimentou no horto das oliveiras.

Como na Sexta-feira Santa, Jesus está junto a tantas pessoas violentadas, torturadas, esquecidas pelo mundo que carregam sua cruz diária em busca de melhores condições de vida para si e para suas famílias. Jesus está junto a cruz dos doentes e sofredores dessa pandemia que lutam pela vida, muitas vezes privados daquilo que é mais básico para a sobrevivência. Está ao lado das famílias que alimentam a esperança de poder rever e acolher os seus de volta em casa com saúde. Está ao lado dos profissionais de saúde que lutam para salvar vidas muitas vezes com recursos escassos e arriscando sua própria vida e de sua família. Está ao lado de tantos profissionais de serviços essenciais, mas que estão invisibilizados e ninguém os vê ou fala deles. Nas palavras de Jesus no alto da cruz, estão as palavras de conforto, abandono e entrega de cada ser humano em todas as circunstancias e lugares do mundo.

Na Vigília Pascal Jesus estará conosco nos ensinando que na escuridão da noite irrompe a Luz de um novo dia, trazendo a certeza da vida nova que renasce da morte, dissipando as trevas do temor e do desânimo. É o próprio Cristo, que todos consideravam morto, que vem ao nosso encontro para tomar-nos pela mão e fazer-nos caminhar de novo à Luz da sua ressurreição.

Semana Santa é tempo de resgatar o verdadeiro sentido de nossa vida cristã. Tantas vezes nos equivocamos quando não percebemos que a presença de Deusem nós e na Igreja vai muito além da igreja templo. Nos momentos de angústia e de silêncio, como este em que estamos vivendo, não é difícil nos sentir de certa forma “longe” de Deus. Contudo, somente uma espiritualidade pascal pode nos ajudar a redescobrir um Deus presente e próximo de nós nas coisas mais simples e cotidianas da nossa vida. O povo de Israel viveu a experiência da proximidade de Deus quando vivia como escravo no Egito e quando duvidou dessa presença em meio aos sofrimentos. Este mesmo povo ouviu através de Moises a resposta de Deus: “Eu vi a aflição do meu povo que está no Egito, e ouvi os seus clamores por causa de seus opressores. Sim, eu conheço seus sofrimentos” (Ex 3,7).

A liturgia da Semana Santa e Tríduo Pascal, mesmo sem a nossa presença física, deve nos inserir nesse grande mistério do Amor de Deus pela humanidade. Somos, cada um de nós, um outro Cristo, chamados a carregar nossa cruz com amor e por amor a toda humanidade. Chamados a reconhecer que este caminho se faz não com “dolorismo” mas com um olhar capaz de reconhecer o Cristo que sofre na carne dos pobres, dos doentes, dos angustiados, dos marginalizados, dos isolados...

Infelizmente talvez você não terá a oportunidade de participar das celebrações litúrgicas presenciais. Não terá a oportunidade de receber a eucaristia e comungar Jesus no seu Corpo e no seu Sangue junto de seus irmãos e irmãs na comunidade de fé, mas terá a oportunidade de comungar Jesus em seu lar, junto das pessoas que você ama e em comunhão com todos aqueles que, num gesto de amor, você oferece o sacrifício do isolamento e da ausência física. Tenho certeza que agindo assim poderá sentir Jesus tão próximo e tão íntimo como quando o recebe na Sagrada Eucaristia.

Para cada um de nós a Semana Santa e o Tríduo Pascal precisa resgatar as raízes de nossa fé! Aprendemos com nossos pais, avós, bisavós, que a fé se alimenta de um profundo sentido de comunhão com Deus, conosco mesmo e com os irmãos e irmãs. Herdamos essa fé de nossos antepassados, sabendo que foi para eles e é para nós, Graça e Dom de Deus, destinada a dar frutos na vida pessoal e comunitária. Conhecendo um pouco da história e do contexto em que viveram, sabemos que muitos também estiveram privados das celebrações litúrgicas da Semana Santa e do Tríduo Pascal devido as distâncias, a escassez de Ministros Ordenados, etc.

Ainda hoje em muitas comunidades do Brasil, por exemplo, essa realidade se repete em muitas comunidades. O que sustentou e sustenta a fé e a vida eclesial dessas pessoas? Porque ainda continuaram e continuam firmes em sua vida de fé cristã? Creio pessoalmente que diante das adversidades de cada tempo é preciso re-significar o sentido da fé e da vida cristã, buscando uma maior compreensão de Deus, de Igreja e da presença de ambos em nossas vidas. Quando o extraordinário chega em nossas vidas e transforma aquilo que é ordinário, resta-nos despir-nos de nossas certezas para encontrarmos aquilo que é essencial.

O Papa Francisco e sua homilia do Domingo de Ramos nos diz que “hoje, no drama da pandemia, perante tantas certezas que se desmoronam, diante de tantas expectativas traídas, no sentido de abandono que nos aperta o coração, Jesus diz a cada um: Coragem! Abra o coração ao meu amor.” Somente um coração aberto ao amor é capaz de encontrar o essencial de Deus, de si mesmo e da vida. A tristeza, a angústia e o sofrimento machucam, abrem feridas, mas somente o bálsamo do amor é capaz de curar e preparar para um novo recomeço. São Paulo nos diz: “Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada? Mas em todas essas coisas somos mais do que vencedores por meio daquele que nos amou”.

É tempo de recomeçar! É tempo de passagem (Páscoa)! Retiremos, na força do Cristo, as pedras que ainda nos mantém na escuridão de nossos sepulcros. A Semana Santa e o Tríduo Pascal só terão sentido em nós se aprendermos a reconhecer o Ressuscitado como alguém que nos transforma a partir de dentro, a partir do cotidiano da vida, na simplicidade das coisas que tantas vezes passam despercebidas. A essência da Páscoa é viver na certeza de que em Cristo somos todos chamados a ressuscitar para uma vida nova que, pela sua Graça, também renova e vivifica a todos ao nosso redor.

Inspirados pelo lema da Campanha da Fraternidade deste ano “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele”, não esqueçamos do nosso compromisso com a Vida de cada irmão e de cada irmã próximo ou distante de nós. Se este cuidado não pode ser através da proximidade física, que as nossas orações e o nosso auxilio até mesmo econômico não falte para apoiar tantas pessoas que arriscam suas vidas no cuidado com os pobres, doentes e sofredores de nossa comunidade.

Aproveitemos este tempo de isolamento social e de Semana Santa para torná-lo um caminho fecundo, de conversão! Resgatemos o valor que cada pessoa tem em nossa vida, tomando consciência do quanto precisamos uns dos outros. Como nos disse o Papa Francisco, estamos todos no mesmo barco, na mesma Casa Comum, e somente apoiados em Jesus conseguiremos vencer a tempestade. É tempo de vencer o temor, de entrar na noite da humanidade para proclamar que Jesus vive e está no meio de nós.

Abençoada Semana Santa e Tríduo Pascal! FELIZ PÁSCOA!

 

Dom Guilherme Antonio Werlang-  Bispo Diocesano de Lages

Pe Reginaldo Pereira – Coordenador Diocesano de Pastora

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